‘Des filhes deste solo’: gênero neutro em Hino Nacional é proibido por lei - Bolsão em Destaque de Três Lagoas
Política

‘Des filhes deste solo’: gênero neutro em Hino Nacional é proibido por lei

Durante um ato de campanha no último sábado (24) do candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Paulo, uma interpretação do Hino Nacional com “linguagem neutra” gerou uma onda de críticas nas redes sociais e levantou questionamentos sobre a possível desvirtuação de um símbolo nacional, o que é considerado uma contravenção penal.

Na ocasião, a cantora Yurungai alterou as palavras “filho” e “filhos” para “filhe” e “filhes”. Em vez de cantar “verás que um filho teu não foge à luta”, ela cantou “verás que filhe teu não foge à luta”, e substituiu “dos filhos deste solo” por “des filhes deste solo”.

Após a repercussão negativa, Boulos apagou o vídeo das redes sociais. Nesta quarta-feira (28), ele chamou o episódio de um “absurdo” e disse que não autorizou a alteração na letra do hino. “Não foi, logicamente, uma decisão da minha campanha, aquele absurdo que foi feito com o Hino Nacional. Aquilo foi uma produtora, uma empresa produtora contratada da nossa campanha que, por sua vez, contratou uma cantora e que teve aquele episódio.”

O advogado criminalista Antônio Gonçalves esclarece que modificar intencionalmente a letra do Hino Nacional para incluir pronomes neutros é ilegal. De acordo com a Constituição Federal, os símbolos nacionais — a bandeira, o hino, o brasão e o selo — são protegidos por lei, que define normas específicas para suas dimensões, cores e representações.

No caso do Hino Nacional, a lei estabelece que, em qualquer circunstância, o hino deve ser executado na íntegra e com respeito por todos os presentes. A lei proíbe alterações na letra ou na melodia, bem como a realização de arranjos vocais.

“É uma contravenção penal. Por ser uma contravenção, não tem pena de prisão, mas pena de multa, e se for reincidente a multa vai aumentando sempre pelo dobro e ela pode ser cumulativa”, detalha.

Após o episódio, parlamentares tomaram medidas legais para apurar o episódio. A deputada federal Julia Zanatta (PL-SC) apresentou uma notícia-crime à PGR (Procuradoria Geral da República). Já o senador Eduardo Girão (Novo-CE) e a deputada Carla Zambelli (PL-SP) solicitaram ao Ministério Público que investigue e responsabilize os envolvidos pela alteração na execução do Hino Nacional.

O advogado explica que, nesse caso, o Ministério Público pode inicialmente investigar a possível contravenção penal, uma vez que a alteração de um símbolo nacional é proibida. Do ponto de vista eleitoral, cabe ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo verificar se o episódio tem alguma implicação para o pleito deste ano.

“Boulos provavelmente não será responsabilizado pessoalmente, pois, nesse caso, a responsabilidade recai sobre o CNPJ da campanha. O TRE pode avaliar se há alguma consequência eleitoral em relação ao ato, mas, a princípio, a infração está limitada à contravenção penal”, detalha Gonçalves.

Discussão sobre linguagem neutra

Nos últimos anos, a discussão sobre a “língua neutra” ou “linguagem não-binária” tem crescido no Brasil e em outros países. Os defensores dessa linguagem dizem que ela busca incluir pessoas que não se identificam como homem ou mulher, sugerindo mudanças no português para eliminar as flexões de gênero nas palavras.

A professora Ormezinda Maria Ribeiro, do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas da UnB (Universidade de Brasília), ressalta que não há base linguística para o uso do “e” ou do “x” como gênero neutro.

“Historicamente, o gênero neutro no português é o masculino. O termo ‘todos’, por exemplo, já abrange ambos os gêneros. Não há fundamento linguístico para a criação de uma nova forma, como o uso do ‘x’. Isso seria como criar outra língua”, afirma.

“Entendo a justificativa de inclusão, mas acredito que acaba excluindo mais do que incluindo. Pense, por exemplo, nas pessoas cegas. Quando você troca uma letra por ‘x’, torna-se inaudível na nossa língua, e no caso da leitura em braile, esse símbolo não é reconhecido. Nesse sentido, estamos excluindo um grupo que não pode enxergar”, completa.

A professora, que trabalha na área de ensino e sociolinguística, é crítica à alteração da letra do Hino Nacional. No entanto, destaca que é válido que determinados grupos escolham se comunicar de formas específicas, pois as variantes linguísticas existem em todas as línguas e são naturais.

Ela relembra que, durante a ditadura civil-militar na década de 1960, moradores de alguns bairros do Rio de Janeiro criaram um código chamado Gualín do TTK para se comunicar e escapar da repressão. A linguagem consistia em alterar a ordem das sílabas nas palavras para dificultar a compreensão do discurso.

“A língua é um ser vivo. O português que falamos hoje não é o mesmo da sua origem, nem mesmo o dos nossos pais. As mudanças acontecem naturalmente, não por decreto ou imposição. Acredito que a língua tende a se adaptar às necessidades dos seus falantes. É possível que formas de gênero neutro se incorporem com o tempo, mas não por imposição”, conclui.

Fonte R7

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