Desafios e Prioridades na Administração de Três Lagoas: Uma Entrevista com o Intendente Fenelon Müller em 1924

A entrevista realizada pela “Gazeta do Commercio” com o Intendente Geral de Três Lagoas, Fenelon Müller, em 1924, reflete o contexto político e administrativo da época, marcado por desafios estruturais e financeiros no desenvolvimento das cidades do interior do Brasil. Fenelon Müller, ao assumir a posição de Intendente, depara-se com uma série de desafios que necessitam de soluções práticas e urgentes, sobretudo no que se refere à infraestrutura e à administração pública.

Análise Histórica do conteúdo revelou as necessidades da época:
1. Infraestrutura: Müller destaca a necessidade de concluir obras essenciais para a ligação rodoviária de Três Lagoas a outras localidades, como Sant’Anna do Paranahyba e Santa Rita. Estas obras eram fundamentais para melhorar a conectividade e, consequentemente, o desenvolvimento econômico da região, promovendo o escoamento da produção agrícola e a integração regional.
2. Administração e Finanças Públicas: A situação financeira da municipalidade é uma das principais preocupações do Intendente. A existência de uma dívida ativa significativa e de compromissos financeiros herdados da administração anterior mostra as dificuldades de se gerir um município com recursos escassos e altos encargos financeiros. Fenelon Müller pretende resolver essas questões através da cobrança rigorosa de impostos atrasados e de uma administração cuidadosa dos recursos disponíveis, sem recorrer a medidas drásticas como a execução forçada de dívidas.
3. Relação com os Munícipes: É notável o esforço de Müller em manter uma boa relação com os cidadãos, mostrando-se relutante em adotar medidas que possam ser vistas como injustas, como a execução de dívidas fiscais. Ele expressa confiança na colaboração da população para superar as dificuldades financeiras, o que reflete uma tentativa de construção de um governo participativo e equitativo.
4. Continuidade Administrativa: A entrevista também ressalta o respeito de Müller pelo seu antecessor, dr. Generoso de Siqueira, destacando as dificuldades enfrentadas por este em implementar uma administração legalmente reconhecida e o sucesso obtido em estabilizar a administração municipal. Isso indica uma preocupação em dar continuidade ao trabalho iniciado, evitando rupturas administrativas.
Em suma, a entrevista com Fenelon Müller revela as complexidades da administração pública em um município em crescimento no início do século XX, onde os desafios de infraestrutura, finanças e relacionamento com a população exigiam habilidade política e administrativa para serem superados. A abordagem de Müller, centrada na prudência e na busca por consenso, é indicativa do esforço para consolidar uma administração eficiente e justa em Três Lagoas.
Transcrição da Entrevista:
Título: Uma Entrevista – O que nos disse o Intendente
“Desejosos de conhecer as intenções, os planos de ação, do nosso actual Intendente Geral, há pouco empossado, procuramo-lo para ter com ele uma conversa, assim a modo de entrevista, que satisfizesse a nossa curiosidade.
Conversa vai, conversa vem, arriscamos: — Diga-nos alguma cousa sobre o que pretende fazer na administração do município. — As plataformas estão hoje fora da moda, pois, em geral, não são levadas à realidade porque são de difícil previsão os acidentes da administração. Em todo o caso há alguns problemas que, no meu entender, precisam de solução urgente para auxiliar o nosso desenvolvimento.
Entre esses merece principal relevo a construção, ou melhor, a conclusão, da estrada de rodagem que ligará esta cidade à de Sant’Anna do Paranahyba; a colonização das terras do município para o desenvolvimento da agricultura; o abastecimento, ainda que provisório, de água à nossa cidade; a construção de passeios e muros em as nossas principais ruas; e a arborização destas; a construção do matadouro público, etc.
Entre os problemas de ordem administrativa é preciso que haja uma rigorosa aplicação da lei para que o respeito à organização municipal seja um facto; que haja uma rigorosa cobrança de impostos; e, sobretudo, que haja completa equidade nos actos governamentais.
— E a municipalidade dispõe de recursos para resolver os problemas mais urgentes? — A dívida activa municipal, isto é, o haver da municipalidade em impostos atrasados, orça para mais de sessenta contos de réis. O meu digno antecessor, dr. Generoso de Siqueira, deixou-me obrigações que montam mais ou menos a essa quantia, correspondendo essas despesas a contratos de construção de estradas de rodagem de Três Lagoas a Sant’Anna e de Tres Lagoas a Santa Rita, a contratos de construção de pontes, etc.
Para liquidar esses compromissos resolvi incumbir o advogado municipal de começar imediatamente a cobrança dos impostos atrasados.
Pagos esses compromissos e com uma boa arrecadação de impostos iniciaremos os melhoramentos de que necessita a nossa cidade e o nosso município.
— E as despesas provenientes do município, com o funcionalismo, etc.? — Não são pequenos. Só em pagamento do sustento dos presos pobres – cerca de setecentos mil réis por mês, do aluguel do grupo escolar – quinhentos mil réis, do fornecimento de iluminação pública – cerca de um conto de réis, tudo uma despesa obrigatória bastante avultada. Não obstante, se conseguir o que espero e pretendo, a arrecadação das rendas previstas no orçamento, satisfará plenamente as obrigações do município.
— E por parte dos munícipes têm encontrado dificuldades na sua administração em começo? — Absolutamente nenhuma. Tenho encontrado em todos a mais animadora boa vontade. Coube ao meu antecessor, dr. Generoso de Siqueira, a dificílima tarefa de impor à população o necessário respeito à administração municipal. Sucessor de uma administração cuja legalidade muitos contestavam, S. S. venceu todos os óbices e conseguiu deixar o governo municipal, se não em ótima situação, pelo menos respeitado e com obras públicas que assinalaram a sua administração.
— E a cobrança executiva dos impostos atrasados será feita, então, imediatamente? — Pretendo não executar ninguém. Conto com a boa vontade dos munícipes além de que com a concessão de prazos, com pequenas concessões que não impliquem em falta de equidade e em injustiça com relação aos que pagam e já pagaram, se obtenha o resultado colimado sem executar ninguém. Só o farei, a contragosto, quando não houver outro recurso.
Estávamos satisfeitos com o que nos havia dito o Sr. Intendente. S. S. ainda nos agradeceu a acção benéfica do nosso jornal, como prudente orientador da opinião pública, e nos declarou que teria toda a satisfação em nos prestar quaisquer informações de interesse público. Muito gratos nos retiramos.”
Veja também: