PROTÁZIO GARCIA LEAL, UM DOS FUNDADORES DE TRÊS LAGOAS

O coronel Protázio Garcia Leal, nasceu no dia 18 de abril de 1858, na fazenda Barreiro, distante cinco léguas da então vila de Santana (atual cidade de Paranaíba)[1]. Era filho do Tenente Francisco Garcia Leal e da Laudelina Carolina de Almeida, portanto, neto do desbravador e um dos fundadores de Paranaíba, o Alferes Januário Garcia Leal e, por parte de mãe, segundo o próprio, descendente da família Freitas. Teve papel de destaque em desbravar os sertões bravios do então sul de Mato Grosso, sendo considerado um dos fundadores de Três Lagoas, juntamente com o coronel Antônio Trajano dos Santos e Luiz Corrêa Neves.
Era um legítimo herdeiro dos pioneiros da colonização da região, por isso foi entrevistado por Sá Carvalho em decorrência do centenário da entrada dos mineiros na região. Em sua entrevista conseguiu colher valiosas informações de quem conviveu com os antigos desbravadores, e não só, também fez parte dessa história na sua expansão para o sul. Lá relatou que o seu avô tinha as fazendas Barreiro, Galheiro, Lebre, Caiapó e Correntes, enquanto seu tio-avô, o Capitão José Garcia Leal, destacava-se como o principal dos homens da região.
Também deu informações de seus irmãos: Antônia Garcia Leal, casada com um primo de nome José Bernardo Corrêa, fazendeiros no ribeirão Cachoeira; Manuel Francisco Garcia, como a maioria dos familiares, casou-se com a sua prima Maria Corrêa Neves; Rita Carolina de Freitas, por sua vez, com Marcolino Marques Pereira, afazendados no rio Quitéria. Além do seu núcleo familiar, citou os fazendeiros que se recordava e onde estavam instalados, dando-nos um quadro geral de como os seus familiares se distribuíram nas terras da região:
“No seu tempo de rapaz, Protásio recorda-se dos seguintes fazendeiros nos sertões: Silvério Garcia Tosta e seus filhos, afazendados no alto Sucuriú, no Bananal da Boa Vista; Misael Garcia Tosta, no ribeirão Morro Vermelho, afluente do rio Paraná; Januário José de Sousa e seus filhos, afazendados no ribeirão São Pedro, afluente do rio Sucuriú; Manuel Garcia Tosta, no ribeirão Indaiá Grande, afluente do Sucuriú; Carlos de Castro, na fazenda Coqueiro; Miguel Pantano, Marcolino Marques e Isaías Borges, em águas do rio Correntes; os irmãos Joaquim e José Machado, os irmãos Jerônimo e Isaías Coimbra, Jerônimo Rosa, os irmãos Albino, Ângelo, José e Vitório Lata, Antônio dos Santos, os irmãos Manuel e Francisco Fabiano, Silvério Garcia Tosta e seus filhos, todos afazendados em águas vertentes da serra da Moranga; Bernardo Barbosa Sandoval e seus filhos, em águas do rio do Peixe; os irmãos José, Urias, Francisco e Antônio Queirós, em águas do rio Quitéria; os Pereiras, afazendados nos rios Sucuriú e Verde; os Camargos e os Otonis, no alto Sucuriú; os Damascenos e os Oliveiras, no médio rio Pardo; os Barbosas, os Lopes, os Rosas, os Marianos, na Vacaria” (Como era lindo o meu sertão!, SÁ CARVALHO).
Em entrevista, relatou a sua trajetória pessoal, como acumulou a sua fortuna, explicando-lhes que decidiu fazer parte de uma expedição em 1884 que levou-o para a região, onde hoje, situa-se a cidade de Três Lagoas. Na época residia com a sua esposa e prima Ana Garcia Ferreira, na fazenda Barreiro, de seus tios Francisco Ferreira de Mello e Delfina Garcia de Freitas. Tomaram parte desta empreitada, o seu tio Manuel Garcia Leal, José Pinheiro, Luís Cuiabano, Francisco José Nogueira, José Brasileiro e ele, reunindo mantimentos para uma viagem de longa duração, em direção a um lugar inóspito.
Ao longo do caminho encontraram alguns poucos fazendeiros que já se iam formando posses. Entre os quais: Gabriel Ferreira de Mello, João e Justino Mariano, João da Cruz Resende, Francisco Queirós e Domingos Inácio. Durante toda essa jornada, encontraram inúmeros desafios nas travessias de rios e cursos d’água, sendo necessário o uso de batelões. Além desses entraves, os campos de macega e capim-flecha prejudicaram imenso a vida dos desbravadores, ferindo-se os animais, ao ponto que precisou-se calçar os animais com talas de couro cru engraxadas.
Segundo o seu relato, chegaram a posse Campo Triste, que tinha uma morada que tempos atrás foi construída a mando de seu avô Januário. No entanto, essa posse tinha sido trocada por uma escrava pelo senhor João Ferreira de Mello, já falecido. O dito era o pai de seu sogro e muitos outros, que receberam de herança, além de fazendas, essa sesmaria que estava abandonada devido a guerra do Paraguai.
Com isto, concluímos, que essa expedição tinha como intuito reconhecer o território e tomar posse de terras que antes tinham sido percorridas. Porém, Protásio escolheu tomar posse de terras próximas ao rio Verde que tinha campos de Mimoso, que eram melhores e passaram a ser denominadas pelo nome de Piaba. Dos membros da expedição, somente o Francisco José Nogueira decidiu tomar posse, escolhendo para si a região do Brioso, composta por campos e matas.
Ali mesmo fundou a sua fazenda, trazendo o seu gado com o auxílio de Vicente Latta e Deocleciano. No princípio a sua manada era composta por doze vacas mansas e dois touros e, mais cinquenta vacas que lhe foram arrendadas de seus sobrinhos Bibiano Garcia Leal e Francisco Januário Garcia, filhos de sua irmã Antônia. Apesar de todo esse empenho, teve que atrasar a mudança de toda a sua família, pois quando retornou à fazenda Barreiro, encontrou a sua sogra em uma má situação de saúde.
Após dois anos de idas e vindas, mudaram-se em 1888 para a sua nova morada, após uma penosa viagem, estando presentes seus três enteados, mais os seus três filhos, um casal de agregados e filhos, além dele próprio e sua esposa. Pelo caminho passaram por inúmeros desafios, abrindo estradas e picadas no meio do cerrado, enfrentando chuvas e difíceis travessias de rios até chegarem nas proximidades do rio Verde.
Com todas essas dificuldades, tiveram a surpresa da desistência de Manuel Pinto que logo ao chegar, pôs-se em retirada, deixando-os sozinhos. A morada mais próxima do seu rancho era a léguas de distância, estando próximos dos indígenas da tribo dos xavantes, que eram muito temidos. Devido a todo esse temor, fizeram promessas a Santa Ana para proteção de um ataque dos mesmos.
A seguir tiveram imenso trabalho para consolidar a fazenda, recebendo seis meses depois o seu sogro, e dois meses depois um antigo desafeto. Era Domingos Inácio Ferreira, que a mando de seu tio Manuel, pediu-lhe as pazes e propôs fazer um negócio juntos. No início estava relutante, colocando condições para aceitar a proposta. Recebeu para criar trezentas vacas, vinte touros e o sal de tempo-em-tempo, por parte do dito.
Após um ano do negócio ter começado, faleceu de surpresa Domingos Inácio, tendo os seus herdeiros concordado em prosseguir por mais seis meses. Desta labuta, resultou-lhe um lucro de cento e cinquenta vacas, que serviu-lhe para alavancar a sua vida. Saudou uma dívida de Rs 800$000 que tinha em Paranaíba, com a venda dos machos. Logo após, imbui-se de abrir caminho até o rio Paraná.
O seu intuito era estabelecer comércio com a Colônia Militar de Itapura e Piracicaba, aprontando a carga, foi ter com o seu enteado Nasário para explorar a região. Chegou ao Campo Triste, aproximando-se da foz do rio Sucuriú, por ali encontrou três grandes lagoas com campos limpos, que futuramente daria lugar a Três Lagoas. Nas proximidades, Nazário encontrou rastros de vida doméstica, seguindo-se foram ter com Joaquim e João Elias.
Eram os dois moradores em São Paulo, do outro lado do rio, que de forma simpática os acolheram e os levaram para o destino pretendido. Por lá negociou e vendeu a sua carga, voltando para a sua fazenda satisfeito pelo feito audacioso. Não tardou para muitos outros chegarem e tomarem posse na mesma região, aumentando a prosperidade do local. Nesse contexto, mudaram para a região Antônio Trajano dos Santos que comprou a posse das Alagoas (futura cidade de Três Lagoas), seu irmão Delfino Antônio que instalou-se em Varjões do Sucuriú.
Seguido destes muitos outros desbravadores, seguiram no mesmo caminho, muitos parentes e pessoas relacionadas com Protázio, testemunhando que o caminho que tinha tomado era o certo. Todavia, tudo isso ia mudar quando alterações políticas em Santana atingiram todo o sertão, que começou a ter assaltos a bandos e revoltas que puseram fim a toda aquela paz.
O tempo passou, a ferrovia chegou até a sua fazenda, com muito esforço conseguiu o título definitivo da sua propriedade em 1918, requerendo-a do estado. Deixou descendência por duas mulheres e construiu um patrimônio invejável. Em 1919, registra Sá Carvalho no Memorial Resumido da Comarca de Três Lagoas, que o Cel. Protázio criava 2.000 reses, seu filho Protazinho lá tinha, por volta de 1.500 reses, enquanto que seu genro Horácio Garcia criava 1.000 reses. Getúlio Garcia Leal, por sua vez, era criador de 600 reses e o Benevenuto Garcia Leal, tinha um retiro com 400 reses.
Ao analisarmos o inventário de Protázio Garcia Leal, conseguimos constatar o tamanho da fazenda e outros bens de posse, além da sua descendência. Segue a transcrição com a relação de herdeiros: “sem deixar testamento; que o domicílio do finado, era este município e comarca; que, o inventariado houve da sua primeira união com a finada Ana Garcia Ferreira, os seguintes filhos:1º) Lavínia Garcia Leal, casada com Ernesto Alves Ferreira, criadores, maiores, domiciliados neste município; 2º) – Francisco Garcia Leal, casado, criador, residente nesta cidade; 3º) Benevenuto Garcia Leal, casado, fazendeiro, residente neste município; 4º) – Protázio Garcia Leal Júnior, falecido, casado que foi com Dona Maria Garcia Leal, deixando filhos que adiante serão descritos; 5º) – Belarmina Garcia Leal, já falecida, deixando filhos que oportunamente serão descritos; 6º Getúlio Garcia Leal, solteiro, maior, fazendeiro, residente neste município, todos maiores; que, o inventariado, de sua união com Dona Laudelina Nunes Lacerda, deixou os seguintes filhos: 7º) – Nair Nunes de Azambuja, criadores, domiciliados neste município; 8º – Josefa Leal de Souza, casada com Plínio Brasil de Souza, ferroviário, residente nesta cidade; 9º) Tereza Garcia Leal, com doze (12) anos de idade; 10º) João Garcia Leal, com dez (10) anos de idade; 11º Romilda Garcia Leal, com nove (9.) anos de idade; 12º) e Maria Vera Garcia Leal com seis (6.) anos de idade; que todos os menores impúberes, acima descritos, residem nesta cidade em compania de sua mãe Laudelina Nunes Lacerda.
Netos
Que são netos do inventariado; filhos de Protázio Garcia Leal Júnior e sua mulher Dona Maria Garcia Leal:
13º) Rita Garcia Leal, viúva, maior, fazendeira, residente neste município;
14º) Guimarino Garcia Leal, fazendeiro, casado.
15º Marcondes Garcia Leal, fazendeiro casado.
16º) Agripina Garcia Leal, fazendeira, desquitada;
17º João Garcia Leal, casado, fazendeiro, todos residentes nesta comarca, fazenda “Piaba”.
Que, são netos do inventariado, filhos de Belarmina Garcia Leal, com o seu primeiro marido Abdio Ferraz da Cunha:
18º Iodolino Garcia Leal, casado, fazendeiro, residente neste município.
Que, são filhos da finada Belarmina Garcia Leal com o seu segundo e último marido Horácio Garcia de Freitas:
19º José Garcia de Freitas, choufer, casado, residente nesta cidade;
20º) Gumercindo Garcia de Freitas, maior, criador;
21º) Wilson Garcia de Freitas, solteiro maior, todos criadores, residentes na fazenda “Piaba”, nesta comarca. Que não existem herdeiros obrigados à colação; que o inventariado deixou ao falecer os seguintes bens:
Imóveis
Na gleba de terras da fazenda “Campo Triste” deste município e comarca, com a área total de 4.855 hectares e 56 ares, registrada sob nº de ordem 1.855 (mil oitocentos e cincoenta e cinco), fls. 137 do livro 3. D. de transcrição de imóveis desta cidade, somente uma parte com a área de cincoenta e oito (58.) hectares e oito (8.) ares.”
Nessa relação não encontramos nada sobre a fazenda Piaba, no entanto, vemos uma área de terras no Campo Triste. Adiante, deparamo-nos com mais informações sobre o patrimônio construído com anos de trabalho. Descobrimos que antes de falecer, doou boa parte de suas terras para os seus filhos, e, com isto, descobrimos o tamanho da histórica propriedade. A Piaba tinha uma área total de 60.753 hectares, doando-a com as suas benfeitorias em vida.
As doações em 1931 seguiram a seguinte ordem: Benevenuto Garcia Leal, recebeu uma área de 10.800 hectares, incluso a sede principal; o seu neto Raul Garcia Leal, filho de Getúlio Garcia Leal, uma área de 10.800 hectares, divididas em 6.002 hectares da Piaba e 4.797 hectares da faz. Campo Triste; Francisco Garcia Leal, uma área de 7.200 hectares; Protázio Garcia Leal Júnior e Lavínia Garcia Leal, 10.800 hectares da Piaba; e os seus netos, filhos da Belarmina Garcia Leal, uma área de 10.800 hectares da fazenda Piaba dividida em quatro partes de 2.700 hectares, para Iodolino Garcia Leal, José Garcia de Freitas, Gumercindo Garcia de Freitas e Wilson Garcia de Freitas.
Aos filhos da sua relação com Laudelina Nunes Lacerda, mandou comprar uma fazenda denominada de “Cervo”, com uma área de 12.420 hectares, colocando-a diretamente no nome dos menores: Nair Garcia Nunes Lacerda, Thereza Garcia Nunes Lacerda, Pedro Garcia Nunes Lacerda e João Nunes Lacerda.
Informações estas, encontradas em seu inventário feito em Três Lagoas.
Faleceu em 8 de julho de 1943 em Três Lagoas, vítima de infecção strepkaaccia, conforme atestado pelo dr. Henrique Mendes Pereira. E, com isto, terminamos o relato da trajetória audaciosa deste desbravador que muito contribuiu para a formação de Três Lagoas, através de seu trabalho de reconhecimento da área e das informações da história local prestadas a Sá Carvalho.

Árvore genealógica de Protázio Garcia Leal com suas duas esposas e filhos.

Relações familiares entre os fundadores de Três Lagoas, aqui encontramos Protázio, Antônio Trajano e Antônio Paulino, este que por último desbravou partes
Colunista: Rudi Matheus Resende Guimarães nasceu em 05 de julho de 1995 em Três Lagoas. É tetraneto do fundador de nossa cidade e se formou em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atualmente é mestrando em Estudos Medievais, e reside em Matosinhos, Portugal.