Relatório Histórico de 1909: Os Desafios e Avanços da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil

O Relatório da Assembleia Geral Ordinária da Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil, datado de 20 de outubro de 1910, fornece um panorama fascinante e desafiador das operações durante o ano de 1909. A obra, que buscava integrar o interior do Brasil e promover o desenvolvimento regional, enfrentou adversidades notáveis tanto no estado de São Paulo quanto no Mato Grosso.
Desafios Sanitários e Sociais no Lado Paulista
As condições inóspitas do território paulista representaram uma ameaça significativa ao progresso da construção ferroviária. Epidemias de febres tropicais devastaram os trabalhadores, mesmo com a implementação de serviços hospitalares e medidas profiláticas. O impacto foi tão grave que muitos operários e empreiteiros perderam suas vidas, causando pânico e dificultando o recrutamento de novos trabalhadores.
Além disso, as investidas de grupos indígenas contra o pessoal da ferrovia exacerbaram os desafios, com relatos de ataques, mortes e destruição. Apesar dessas dificuldades, a diretoria destacou os sacrifícios feitos para superar os obstáculos e finalmente atravessar essa região adversa.
Progressos no Mato Grosso: Enfrentando a Natureza Hostil
No território mato-grossense, outros desafios surgiram, como a dificuldade de mobilizar operários devido à campanha contrária promovida no Rio da Prata. A construção em terrenos alagadiços ao longo de aproximadamente 50 quilômetros também atrasou os trabalhos. Contudo, a má região foi superada, e os trilhos começaram a avançar por áreas mais salubres e favoráveis.
Resultados Concretos
Apesar das adversidades, a Companhia registrou progressos notáveis:
- Os trilhos, partindo de Bauru, alcançaram o quilômetro 475, com a construção estendida até o km 575.
- Do lado de Corumbá, os trilhos chegaram ao km 180, com o leito quase pronto até o km 210.
O tráfego ferroviário começou a se estabilizar, promovendo o desenvolvimento e o povoamento das regiões atravessadas. A diretoria expressou otimismo quanto à lucratividade da ferrovia em um futuro próximo.
Avaliação e Aprovação do Conselho Fiscal
O Conselho Fiscal examinou as contas da Companhia e encontrou a documentação organizada de forma exemplar. Os relatórios detalharam as condições dos serviços e os destinos da organização. O Conselho recomendou a aprovação dos atos e contas apresentados, reforçando a confiança na direção da empresa.
Um Marco na Construção Ferroviária Nacional
O relatório enfatizou que, apesar dos desafios, os resultados obtidos em 1909 foram notáveis para os padrões brasileiros da época. A construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil não apenas enfrentou adversidades naturais e humanas, mas também lançou as bases para o desenvolvimento de regiões remotas e promissoras.
Financiamento e Infraestrutura: Os Bastidores da Expansão da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em 1909
A continuidade do relatório da Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil, apresentado à Assembleia Geral Ordinária de 1910, revela aspectos cruciais sobre o financiamento e os planos estruturais que impulsionaram a construção da ferrovia de Itapura a Corumbá. Este relato destaca o compromisso financeiro e as decisões governamentais que garantiram o avanço dessa obra histórica.
Financiamento Internacional: O Empreéstimo de 1908
Em 1909, o governo brasileiro consolidou um empréstimo internacional de 50.000.000 francos, emitido em 100.000 títulos de 500 francos cada, com juros de 5% ao ano. Este montante visava cobrir os custos de construção da ferrovia desde Itapura, em São Paulo, até Corumbá, em Mato Grosso, estendendo-se à fronteira com a Bolívia.
Os títulos foram admitidos à negociação na Bolsa da Capital Federal, com pagamentos semestrais de juros e amortização programada para 50 anos, a partir de 1912. Este formato de financiamento foi estruturado para garantir solidez e atratividade aos investidores nacionais e internacionais.
Decretos Presidenciais: Planejamento e Aprovações
Pontes e Infraestrutura de Comunicação
O Decreto nº 7.467, de 22 de julho de 1909, autorizou a construção de pontes e postes telegráficos de madeira entre Bauru e Itapura. Este plano, essencial para superar os desafios de logística e comunicação, foi aprovado com base nos estudos da Secretaria de Estado da Viação e Obras Públicas.
A Ponte sobre o Rio Paraná no Jupiá
Outro marco importante foi o Decreto nº 7.585, de 7 de outubro de 1909, que aprovou o projeto da ponte sobre o Rio Paraná, em Jupiá, na seção mato-grossense da ferrovia. A estrutura monumental, composta por duas vigas metálicas na margem esquerda, uma viga contínua de 350 metros e dez vãos de 50 metros na margem direita, tinha um peso total de 2.307 toneladas. O orçamento estimado para a obra foi de 2.689:469$904.
Ajustes na Linha Ferroviária
Em 9 de dezembro de 1909, o Decreto nº 7.729 validou modificações em trechos entre Bauru e Itapura, permitindo adaptações que otimizassem a construção e viabilizassem a continuidade dos trabalhos.
A Importância Estratégica da Ferrovia
Essas decisões mostram o comprometimento do governo e da Companhia em superar os desafios técnicos, financeiros e logísticos, transformando a Noroeste do Brasil em uma obra de integração nacional e desenvolvimento regional. A ferrovia representava um elo vital entre os estados de São Paulo e Mato Grosso, além de uma conexão estratégica com países vizinhos, como a Bolívia.
O relatório reafirma o papel crucial do financiamento externo e do suporte governamental para enfrentar as adversidades, reforçando a visão de que a ferrovia era um investimento no futuro econômico e social do Brasil. A ponte sobre o Rio Paraná, em especial, destaca-se como um marco técnico e arquitetônico de sua época, simbolizando o esforço nacional para superar barreiras geográficas e unir o país.
O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, atendendo ao que requereu a Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil, concessionária da linha de Bauru a Itapura, decreta:
Artigo único: Ficam aprovados os estudos definitivos e o respectivo orçamento, na importância de 4.653.132.288,48, do último trecho da linha de Bauru a Itapura, compreendido entre os quilômetros 335 e 435,666, de acordo com as modificações constantes das plantas e demais documentos que com este baixam, rubricados pelo diretor geral de Obras e Viação da Secretaria de Estado da Viação e Obras Públicas. Rio de Janeiro, 9 de Dezembro de 1909, 88.º da Independência e 21.º da República. (Diário Oficial, de 18 de Dezembro de 1909).
Ministério da Viação e Obras Públicas (Tribunal de Contas)
Aviso N. 38, de 12 de março de 1910: Consultando acerca da abertura de crédito de 96.132.483, para os juros de 6% sobre o capital de 13.770.000$000 – título “Estrada de Ferro Bauru a Itapura”, da verba S, do exercício de 1909, para pagamento da garantia de juros do 2.º semestre de 1909 sobre o capital depositado de 15.084.000$000, conforme o Decreto N. 266, de 30 de julho de 1904. O tribunal opinou que o crédito pôde ser legalmente aberto. (Diário Oficial, de 24 de Março de 1910).
Decreto n. 8.071 de 16 de Junho de 1910
Aprova os estudos definitivos da linha de Itapura a Corumbá e da fronteira do Brasil com a Bolívia, na extensão de 84.338.550 metros.
Artigo único: Ficam aprovados os estudos definitivos da linha de Itapura a Corumbá e à fronteira da Bolívia, nos trechos 1, 2, 3, 4, 5 e 6, com a extensão total de 9637,35 metros, bem como as plantas e orçamentos daqueles trechos, na importância de 69.270.200$100, que com este baixam rubricados pelo diretor geral de Obras e Viação da Secretaria de Estado dos Negócios da Viação e Obras Públicas. Rio de Janeiro, 16 de Junho de 1910, 30.º da Independência e 239.º da República. (Diário Oficial, de 28 de Junho de 1910).
Ministério da Viação e Obras Públicas (Tribunal de Contas)
Nº 68, de 15 de Junho de 1910, com cópia do contrato celebrado entre o Governo Federal e a Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brasil, modificando o contrato de 1º de Dezembro de 1904 para a construção e arrendamento da Estrada de Ferro de Itapura a Corumbá e da fronteira com a Bolívia. O tribunal ordenou o registro do contrato. (Diário Oficial, de 21 de Julho de 1910).
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil – Relatório do Tráfego
O tráfego da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil está estabelecido na seção que vai de Bauru a Itapura, com uma extensão total de 437 quilômetros. Na segunda seção, que vai de Itapura a Corumbá, encontram-se prontos para tráfego 177 quilômetros, sendo 27 quilômetros de Itapura a Jupiá e 150 quilômetros de Porto Esperança a Miranda, devendo, no próximo ano, ser consideravelmente ampliada.
A estrada continua a realizar o tráfego de serviço da linha, com uma extensão de 5 quilômetros de Jupiá às margens do Rio Paraná, onde a travessia, até a conclusão da grande ponte de 950 metros de comprimento, é feita por lanchas a vapor e embarcações adequadas ao transporte de material.
A excelência dos terrenos atravessados, especialmente na parte que se estende de Bauru a Glicerio, no quilômetro 240, atraiu agricultores que fundaram novas lavouras na região. As culturas de arroz, fumo, cana-de-açúcar e cereais são notáveis, e a exportação de madeira também está em crescimento, acompanhada pelo desenvolvimento da indústria pecuária. Esses fatores resultaram em um tráfego animador e promissor para a região.
Quanto ao tráfego de 1909, destacam-se os números relativos ao transporte nos dois sentidos da linha, que garantiram melhor utilização do material. Os produtos de Mato Grosso, embora o tráfego da segunda seção ainda não tenha sido iniciado, já começavam a ser transportados para as estações e devem aumentar consideravelmente quando o tráfego regular se estabelecer nesse estado.
A receita total de tráfego no ano de 1909 foi de 426.933$739, com uma despesa de 818.856$785. A estrada transportou 24.112 passageiros e 14.203.826 toneladas de mercadorias.
A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil possui, do lado de Bauru, material rodante em quantidade considerável, enquanto a quantidade do lado de Corumbá é menor devido à dificuldade de transporte pelas águas baixas do rio. Felizmente, essa dificuldade foi superada, e o material está sendo acumulado em Porto Esperança para transporte.
Os números de locomotivas, carros de passageiros, e outros veículos estão detalhados, com as locomotivas trabalhando com pressões entre 8 a 10 atmosferas e pesando até 30 toneladas.
Locomotivas e Trens:
- O peso das locomotivas é de 34,5 toneladas.
- Antes de serem enviadas para as oficinas de reparação, as locomotivas percorrem uma média de 55.000 km.
- Carros de passageiros possuem uma capacidade de 40 passageiros e peso de 11 toneladas. A dimensão dos carros inclui 11 metros de comprimento na parte inferior e superior, com uma largura de 2,61 metros e altura máxima de 3,53 metros. A distância entre as cobertas é de 0,25 metros.
- O peso dos trens mais pesados chega a 200 toneladas. A velocidade média dos trens de carga é de 25 km/h e comercial de 20 km/h.
- O número médio de trens por mês é de 65.
Oficinas e Equipamentos:
- As oficinas possuem uma área de 582 m² e estão equipadas com diversas máquinas, incluindo tornos, máquinas de furar, serras e forjas.
- O número total de empregados é de 53, com salários variando de 400 a 630 réis por hora para diversos cargos, como ajustadores, ferreiros e carpinteiros.
Manutenção e Segurança:
- A linha está bem conservada, com dormentes substituídos e lastro mantido. Não houve acidentes significativos e os horários de funcionamento foram observados.
- O serviço de telegrafia funcionou bem, e a contabilidade estava em ordem.
Desafios e Constrangimentos:
- A construção enfrentou dificuldades devido à insalubridade da região e ataques de índios, que resultaram em mortes e destruição de materiais.
- A empresa adotou medidas profiláticas e hospitalares para combater as doenças e diminuir os efeitos das febres. A situação foi controlada com a ajuda do governo.
Balanço Financeiro:
- O relatório fornece um resumo financeiro detalhado de receitas e despesas, com receitas provenientes de passageiros, mercadorias, bagagens, telegramas e comissões sobre impostos. As despesas foram atribuídas principalmente à administração, tráfego, locomotiva, manutenção da linha e telégrafo.
A transcrição original abaixo:
Relatório da Assembleia Geral Ordinária de 20 de outubro de 1910